quarta-feira, 2 de maio de 2012


CARTOGRAFIA (UMA “ESTRATÉGIA DE PESQUISA”)

O conceito de cartografia é apresentado por G. Deleuze e F. Guattari na Introdução de Mil Platôs, um dos livros sequência ao tão polêmico “O Antí-Édipo” (livro fruto da revolução cultural francesa do maio de 68). Trata-se de uma reversão metodológica que aposta na experimentação da pesquisa: transformar o meta-hodos em hodos-meta de maneira a sintonizar o caráter processual da investigação. Ou seja, no lugar de regras ou protocolos, devemos pensar em pistas da estratégia cartográfica. Devemos deixar claro que a cartografia é uma construção de um mapa subjetivo, podemos oferecer algumas pistas: Pista 1: “a indissociabilidade entre pesquisa e intervenção”; Pista 2:  “o funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo”; Pista 3: “a construção do dispositivo no método da cartografia”; Pista 4: “a pesquisa dos processos de produção de subjetividade e o plano aquém da divisão indivíduo-sociedade”; Pista 5: “cartografia como dissolução do ponto de vista do observador”; Pista 6: “cartografar é habitar um território existencial”; Pista 7: “cartografar é acompanhar processos”; Pista 8 “cartografia exige uma mudança das práticas de narrar”.

ARTE E FORMAÇÃO: UMA CARTOGRAFIA DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
ATUAL

A  idéia da cartografia como uma prática do conhecer é deleuziana. Deleuze (filósofo) se apropria  de  uma  palavra  do  campo  da Geografia  para  referir-se  ao  traçado  de mapas processuais  de  um  território  existencial. Um  território  desse  tipo  é  coletivo,  porque  é relacional; é político, porque envolve interações entre forças; tem a ver com uma ética, porque parte de um conjunto de critérios e referências para existir; e tem a ver com uma estética, porque é através dela como se dá forma a esse conjunto, constituindo um modo de  expressão  para  as  relações,  uma  maneira  de  dar  forma  ao  próprio  território existencial. Por isso, pode-se dizer que a cartografia é um estudo das relações de forças que compõem um campo específico de experiências. Em seu livro “Foucault”, Deleuze se refere a este filósofo-historiador como um grande cartógrafo, pois ele foi capaz de traçar as linhas que configuravam uma espécie de diagrama de forças que subjazia às palavras e às coisas nomeadas por elas, em contextos históricos específicos.  Deleuze não estabelece a cartografia como metodologia de pesquisa com etapas formuladas  e  procedimentos  específicos.  Isso  iria  contra  sua  filosofia.  Ele  trata  a cartografia  como  um  princípio  de  funcionamento  do  conhecer,  e  dá  pistas  sobre  esse princípio  ao  longo  de  sua  obra,  como,  por  exemplo,  nos  platôs  “Rizoma”,  “Devir intenso,  devir  animal,  devir  imperceptível”  e  “Três  novelas  curtas”  de  Mil  Platôs.
 A cartografia assim, tem sido entendida por seus praticantes como um modo de pesquisar objetos processuais, como os  modos  de  subjetivação  e  os  processos  de  formação,  por  exemplo.  Quando um investigado  tem  um  ‘objeto’  processual  e  quer  aceder  à  política  de  suas  formas  e funcionamentos, ele pode se valer de uma estratégia de trabalho como essa, afinado com a processualidade daquilo que  investiga. Não obstante, a cartografia não depende de um plano a  executar,  de  um  conjunto  de  competências  a  adquirir  ou  de  uma  lista  de habilidades  a  aplicar  em  determinado  campo  pelo  pesquisador.  Em  outra  direção,  o método  cartográfico  questiona  o  modelo  explicativo  da  realidade  na  produção  de saberes, abrindo mão da linearidade e da causalidade em suas práticas discursivas. 
Segundo Romagnolli (2009), a  cartografia se apresenta como valiosa ferramenta de investigação, exatamente para abarcar a complexidade, zona de indeterminação que a acompanha, colocando problemas, investigando o coletivo de forças em cada situação, esforçando-se para não se curvar aos dogmas reducionistas.Contudo, mais do que procedimentos metodológicos delimitados, a cartografia é um modo de conceber a pesquisa e o encontro do pesquisador com seu campo. Entendemos que a cartografia pode ser compreendida como método, como outra possibilidade de conhecer, não como sinônimo de disciplina intelectual, de defesa da racionalidade ou de rigor sistemático para se dizer o que é ou não ciência, como propaga o paradigma moderno (Ibid).
De acordo com Rolnik (1989), o papel do cartógrafo é mapear os afectos expressados, e dele se espera basicamente um mergulho nas intensidades de seu tempo, ficando atento as linguagens que encontra, devorando-as e possibilitando a composição de novos mapas que se fazem necessários e pode indicar outros caminhos aos que também se aventurarem.
Ao escolher esse instrumento, deve-se viajar por dentro, visualizar o avesso, como um mapear das potências e dos afectos que constituem nossos estados e que ocupam nossos corpos a cada momento (FONSECA E KIRST, 2004). Cabe lembrar que o processo cartográfico não estabelece etapas formuladas ou procedimentos específicos, esse instrumento tem o intuito de pesquisar os modos de subjetivações e modos de transformações, deixando de lado a causalidade e a linearidade em sua prática.


REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

FONSECA, Tânia Mara Galli; KIRST, Patrícia Gomes. (2004). O Desejo de Mundo: um olhar sobre a clínica. Psicologia & Sociedade; Porto Alegre, 16 (3): 29-34; set/dez.
ROLNIK, Suely. (1989). Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade.
ROMAGNOLLI, Roberta Carvalho. “A cartografia e a relação pesquisa e vida”. In: Psicologia & Sociedade; 21 (2): 166-173, 2009.

sábado, 28 de abril de 2012

"Quando bons encontros aumentam a nossa potência de existir"


‎"Interessante saber e ver a quantidade de artistas e profissionais de distintas áreas que tem ótimos encontros com Deleuze. Quando comecei a estudar esse autor, parecia uma coisa meio ''marginal'', contra o estabelecido. Que encontro me proporcionou! Foi como um vento frio nas costas, um ar novo, um suspiro em um meio sufocado de ''verdades'', dicas, transmissões e saberes/poderes. Legal ver que o que antes era solitário (e necessário ser assim), hoje é um grande encontros com essas pessoas que fazem da vida uma obra de arte!"

quarta-feira, 18 de abril de 2012

"SOU UMA MÁQUINA DESEJANTE!"

Nunca tive um blog, essa é a minha primeira experiência com tal ''ferramenta''. Uma ferramenta bem usada pode ser como uma arma, pode criar problemas, intervenções no andamento não linear da vida. E se um blog pode isso, como nunca tive um? Acreditando, fantasiando, desejando e delirando que pessoas irão ler o que escrevo/produzo aqui é que pensei em iniciar minhas postagens falando sobre o que considero a ''mola propulsora'' da humanidade - O Desejo. Com isso farei das palavras de Gilles Deleuze (Filósofo, criador ao lado de Félix Guattari da Esquizoanálise) as minhas, no que se refere ao tema 'desejo' colocando aqui um trecho de uma entrevista que o mesmo concedeu a Claire Parnet e pode ser encontrada no livro - Conversações. O desejo por muito tempo, talvez fruto da influência até então crescente, no século XIX e XX, do pensamento psicanalítico, era/é visto como nascido de uma falta, Freud (em sua 2° teoria do aparelho psíquico) analogicamente se referia que ''a perda do objeto parental'' (os pais) para as crianças suscitava o desejo - a criança percebe que ela não é a exclusividade do amor dos pais (no Complexo de édipo) e com isso cria-se uma falta no aparelho psíquico, tornando-a assim um sujeito desejante. Com certeza ele considerava que "desejar" era mais que isso, maior que esse exemplo ''simplista'' que dei. O que realmente é importante aqui, é que a psicanálise sempre tratou o desejo como fruto da falta, e aprisionou o mesmo a essa característica 'faltosa'. Deleuze & Guattari, ao escreverem o Anti-Édipo, tentaram com algum sucesso desvencilhar o desejo dessa ideia. E possibilitaram um desejo produtivo, libertador, revolucionário, que em determinado momento em sua vasta literatura eles não fazem mais distinção entre desejo e delírio. Como considero o desejo histórico/social a força mais intensa dos seres humanos aqui vai a parte da entrevista de Deleuze. Espero com isso, que seja produtivo ''desconstruirmos" a ideia de desejo e que possamos possibilitar ''desejos''.

“(..)Queríamos dizer uma coisa bem simples. Tínhamos uma grande ambição, a saber, que até esse livro ( O Anti-Edipo), quando se faz um livro é porque se pretende dizer algo novo. Achávamos que as pessoas antes de nós não tinham entendido bem o que era o desejo, ou seja, fazíamos nossa tarefa de filósofo, pretendíamos propor um novo conceito de desejo. As pessoas, quando não fazem filosofia, não devem crer que é um conceito muito abstrato, ao contrário, ele remete a coisas bem simples, concretas. Veremos isso. Não há conceito filosófico que não remeta a determinações não filosóficas, é simples, é bem concreto. Queríamos dizer a coisa mais simples do mundo: que até agora vocês falaram abstratamente do desejo, pois extraem um objeto que é, supostamente, objeto de seu desejo. Então podem dizer: desejo uma mulher, desejo partir, viajar, desejo isso e aquilo. E nós dizíamos algo realmente simples: vocês nunca desejam alguém ou algo, desejam sempre um conjunto. Não é complicado. Nossa questão era: qual é a natureza das relações entre elementos para que haja desejo, para que eles se tornem desejáveis? Quero dizer, não desejo uma mulher, tenho vergonha de dizer uma coisa dessas. Proust disse, e é bonito em Proust: não desejo uma mulher, desejo também uma paisagem envolta nessa mulher, paisagem que posso não conhecer, que pressinto e enquanto não tiver desenrolado a paisagem que a envolve, não ficarei contente, ou seja, meu desejo não terminará, ficará insatisfeito. Aqui considero um conjunto com dois termos, mulher, paisagem, mas é algo bem diferente. Quando uma mulher diz: desejo um vestido, desejo tal vestido, tal chemisier, é evidente que não deseja tal vestido em abstrato. Ela o deseja em um contexto de vida dela, que ela vai organizar o desejo em relação não apenas com uma paisagem, mas com pessoas que são suas amigas, ou que não são suas amigas, com sua profissão, etc. Nunca desejo algo sozinho, desejo bem mais, também não desejo um conjunto, desejo em um conjunto. Podemos voltar, são fatos, ao que dizíamos há pouco sobre o álcool, beber. Beber nunca quis dizer: desejo beber e pronto. Quer dizer: ou desejo beber sozinho, trabalhando, ou beber sozinho, repousando, ou ir encontrar os amigos para beber, ir a um certo bar. Não há desejo que não corra para um agenciamento. O desejo sempre foi, para mim, se procuro o termo abstrato que corresponde a desejo, diria: é construtivismo. Desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, conjunto de uma saia, de um raio de sol