CARTOGRAFIA
(UMA “ESTRATÉGIA DE PESQUISA”)
O conceito de cartografia é apresentado por G. Deleuze e F. Guattari na
Introdução de Mil Platôs, um dos livros sequência ao tão polêmico “O
Antí-Édipo” (livro fruto da revolução cultural francesa do maio de 68). Trata-se
de uma reversão metodológica que aposta na experimentação da pesquisa:
transformar o meta-hodos em hodos-meta de maneira a
sintonizar o caráter processual da investigação. Ou seja, no lugar de regras ou
protocolos, devemos pensar em pistas da estratégia cartográfica. Devemos deixar
claro que a cartografia é uma construção de um mapa subjetivo, podemos oferecer
algumas pistas: Pista 1: “a indissociabilidade entre pesquisa e
intervenção”; Pista 2: “o
funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo”; Pista 3: “a
construção do dispositivo no método da cartografia”; Pista 4:
“a pesquisa dos processos de produção de subjetividade e o plano aquém da
divisão indivíduo-sociedade”; Pista 5: “cartografia como
dissolução do ponto de vista do observador”; Pista 6: “cartografar é
habitar um território existencial”; Pista 7: “cartografar é acompanhar
processos”; Pista
8 “cartografia exige uma mudança das práticas de narrar”.
ARTE
E FORMAÇÃO: UMA CARTOGRAFIA DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
ATUAL
A idéia da cartografia como uma
prática do conhecer é deleuziana. Deleuze (filósofo) se apropria de
uma palavra do
campo da Geografia para
referir-se ao traçado
de mapas processuais de um
território existencial. Um território
desse tipo é
coletivo, porque é relacional; é político, porque envolve
interações entre forças; tem a ver com uma ética, porque parte de um conjunto
de critérios e referências para existir; e tem a ver com uma estética, porque é
através dela como se dá forma a esse conjunto, constituindo um modo de expressão
para as relações,
uma maneira de
dar forma ao
próprio território existencial.
Por isso, pode-se dizer que a cartografia é um estudo das relações de forças
que compõem um campo específico de experiências. Em seu livro “Foucault”,
Deleuze se refere a este filósofo-historiador como um grande cartógrafo, pois
ele foi capaz de traçar as linhas que configuravam uma espécie de diagrama de
forças que subjazia às palavras e às coisas nomeadas por elas, em contextos
históricos específicos. Deleuze não
estabelece a cartografia como metodologia de pesquisa com etapas
formuladas e procedimentos
específicos. Isso iria
contra sua filosofia.
Ele trata a cartografia
como um princípio
de funcionamento do
conhecer, e dá
pistas sobre esse princípio ao
longo de sua
obra, como, por
exemplo, nos platôs
“Rizoma”, “Devir intenso, devir
animal, devir imperceptível” e
“Três novelas curtas”
de Mil Platôs.
A cartografia assim, tem sido
entendida por seus praticantes como um modo de pesquisar objetos processuais,
como os modos de
subjetivação e os
processos de formação,
por exemplo. Quando um investigado tem um ‘objeto’
processual e quer
aceder à política
de suas formas
e funcionamentos, ele pode se valer de uma estratégia de trabalho como
essa, afinado com a processualidade daquilo que
investiga. Não obstante, a cartografia não depende de um plano a executar,
de um conjunto
de competências a
adquirir ou de
uma lista de habilidades a
aplicar em determinado
campo pelo pesquisador.
Em outra direção,
o método cartográfico questiona
o modelo explicativo
da realidade na
produção de saberes, abrindo mão
da linearidade e da causalidade em suas práticas discursivas.
Segundo
Romagnolli (2009), a cartografia se
apresenta como valiosa ferramenta de investigação, exatamente para abarcar a
complexidade, zona de indeterminação que a acompanha, colocando problemas,
investigando o coletivo de forças em cada situação, esforçando-se para não se
curvar aos dogmas reducionistas.Contudo, mais do que procedimentos
metodológicos delimitados, a cartografia é um modo de conceber a pesquisa e o
encontro do pesquisador com seu campo. Entendemos que a cartografia pode ser
compreendida como método, como outra possibilidade de conhecer, não como
sinônimo de disciplina intelectual, de defesa da racionalidade ou de rigor
sistemático para se dizer o que é ou não ciência, como propaga o paradigma
moderno (Ibid).
De acordo
com Rolnik (1989), o papel do cartógrafo é mapear os afectos expressados, e
dele se espera basicamente um mergulho nas intensidades de seu tempo, ficando
atento as linguagens que encontra, devorando-as e possibilitando a composição
de novos mapas que se fazem necessários e pode indicar outros caminhos aos que
também se aventurarem.
Ao escolher
esse instrumento, deve-se viajar por dentro, visualizar o avesso, como um
mapear das potências e dos afectos que constituem nossos estados e que ocupam nossos
corpos a cada momento (FONSECA E KIRST, 2004). Cabe lembrar que o processo
cartográfico não estabelece etapas formuladas ou procedimentos específicos,
esse instrumento tem o intuito de pesquisar os modos de subjetivações e modos
de transformações, deixando de lado a causalidade e a linearidade em sua
prática.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
FONSECA, Tânia Mara Galli; KIRST, Patrícia
Gomes. (2004). O Desejo de Mundo: um olhar sobre a clínica. Psicologia
& Sociedade; Porto Alegre, 16 (3): 29-34; set/dez.
ROLNIK, Suely. (1989). Cartografia Sentimental: transformações
contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade.
ROMAGNOLLI, Roberta Carvalho. “A cartografia e a relação pesquisa e vida”.
In: Psicologia & Sociedade;
21 (2): 166-173, 2009.